Plano de Saúde deve custear o Donanemabe (Kisunla®). Saiba como garantir o tratamento do Alzheimer na fase inicial. A negativa por Rol da ANS pode ser ilegal.
O diagnóstico da Doença de Alzheimer (DA) é, invariavelmente, um momento de profunda incerteza e angústia para pacientes e familiares. Por décadas, o foco do tratamento esteve na gestão dos sintomas, com poucas opções capazes de modificar a trajetória da doença. Contudo, o avanço da ciência tem reescrito essa narrativa.
O surgimento de medicamentos como o Kisunla (Donanemabe) representa uma nova fronteira, especificamente para o tratamento da doença em seus estágios iniciais, oferecendo a esperança real de retardar o declínio cognitivo.
Este artigo visa desmistificar o cenário legal e assistencial que envolve a recusa das operadoras de saúde em cobrir este tratamento. Diante do alto custo — que pode ultrapassar a marca de R$ 24 mil mensais —, a negativa do custeio por parte dos planos se torna o principal obstáculo para milhares de brasileiros.
A Revolução Terapêutica do Kisunla (Donanemabe) no Alzheimer
A Doença de Alzheimer é uma condição neurodegenerativa progressiva e irreversível, caracterizada pelo acúmulo de duas proteínas anormais no cérebro: a proteína tau e a beta-amiloide. O acúmulo desta última forma as famosas “placas amiloides”, que são tóxicas e levam à destruição neuronal e, consequentemente, ao declínio das funções cognitivas e da memória.
O Mecanismo de Ação e a Importância da Intervenção Precoce
O Kisunla (Donanemabe) é um anticorpo monoclonal, ou seja, uma proteína desenvolvida em laboratório com a capacidade de se ligar especificamente a um alvo no organismo. No caso do Kisunla, o alvo são as placas de beta-amiloide já estabelecidas no cérebro. Seu mecanismo de ação é disruptivo: ele atua removendo essas placas, intervindo diretamente na patogênese da doença, e não apenas nos seus sintomas.
É vital notar que sua eficácia se manifesta nas fases iniciais do Alzheimer, incluindo o Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) devido ao Alzheimer ou a Demência em estágio inicial. A janela de oportunidade para o tratamento é estrita, pois quanto mais cedo o acúmulo de placas for interrompido ou revertido, maior é o potencial de preservar a função cerebral.
Dados Clínicos Impactantes: Os estudos que culminaram na aprovação pela Anvisa em abril de 2025 revelaram resultados robustos:
Remoção Acelerada de Placas: Demonstrou uma redução de 61% das placas de beta-amiloide após apenas seis meses de uso, atingindo cerca de 80% em um ano e expressivos 84% ao final de 18 meses.
Retardo no Declínio Cognitivo: Os pacientes tratados tiveram um retardo de até 35% no declínio cognitivo e funcional, uma diferença estatisticamente e clinicamente significativa quando comparado ao grupo placebo.
Essa capacidade de desacelerar a progressão da doença confere ao Kisunla o status de “tratamento modificador da doença”, uma categoria que os pacientes e a comunidade médica aguardavam ansiosamente.
A Questão Central: Plano de Saúde deve Custear o Kisunla (Donanemabe) Após a Aprovação da Anvisa?
O registro sanitário de um medicamento junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o passaporte de entrada para que ele seja considerado apto e seguro para uso no Brasil. Com a aprovação do Kisunla (Donanemabe), o cenário legal de sua cobertura pelos planos de saúde foi fundamentalmente alterado.
O Peso do Registro Sanitário e a Lei dos Planos de Saúde
A Lei nº 9.656/98, que rege os planos e seguros privados de assistência à saúde, garante que a cobertura contratual deve abranger todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). Como o Alzheimer (CID-10 G30) é uma doença de cobertura obrigatória, o tratamento mais adequado a ela também deve ser.
O princípio fundamental é simples: Uma vez que a Anvisa certifica a segurança e eficácia de um medicamento para uma determinada patologia, e há a indicação médica fundamentada, a operadora de saúde não pode intervir na escolha terapêutica do profissional de saúde.
Princípio da Escolha Terapêutica: A jurisprudência consolidada no Brasil defende que, havendo cobertura para a doença, a escolha do tratamento mais eficaz cabe ao médico assistente, e não à operadora do plano de saúde.
O Mito do Rol da ANS e sua Superação Legal
A principal alegação das operadoras para negar o fornecimento do Kisunla (Donanemabe) é a sua ausência no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A ANS, embora estabeleça a lista mínima obrigatória de coberturas, não pode limitar as opções de tratamento.
Desde a Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei dos Planos de Saúde, o Rol da ANS deixou de ser taxativo, tornando-se meramente exemplificativo. Isso significa que a ausência de um medicamento ou procedimento na lista da ANS não é mais um impeditivo absoluto para a cobertura.
Obrigatoriedade Fora do Rol: O custeio de um tratamento não listado no Rol, como o Kisunla (Donanemabe), é obrigatório quando:
Possui Registro Ativo na Anvisa: O que é o caso do Kisunla desde abril de 2025.
Possui Comprovação de Eficácia e Segurança: Os estudos clínicos de Fase III, utilizados para a aprovação da Anvisa, atestam isso.
Existe uma Recomendação de um Órgão de Avaliação Tecnológica em Saúde (ATS): Ou, na sua ausência, o medicamento deve ser prescrito por profissional habilitado, com clara justificativa técnica, comprovando que é a melhor ou única alternativa eficaz para o paciente.
Portanto, a negativa baseada unicamente na ausência do Rol é ilegal e abusiva. O Plano de saúde deve custear o Kisunla (Donanemabe), desde que devidamente prescrito para a fase inicial da doença.
O Caminho para a Cobertura: Requisitos e Ações Práticas
A dura realidade é que, apesar da clareza legal, a maioria dos beneficiários enfrentará a recusa administrativa. A negativa formal, contudo, é o primeiro passo para a garantia do direito por meio da via judicial.
1. Documentação Indispensável para o Sucesso Judicial
Para que o paciente demonstre o seu direito e prepare a ação judicial com alta probabilidade de sucesso, é fundamental coletar um conjunto de documentos robustos:
Prescrição Médica Detalhada: Não basta a receita. É necessário um Relatório Médico Completo, incluindo:
Diagnóstico com o código CID (G30).
Estágio exato da Doença de Alzheimer (CCL ou demência inicial).
Justificativa técnica detalhada sobre a urgência e a necessidade do Kisunla (Donanemabe), explicando por que ele é superior ou insubstituível pelas opções já listadas no Rol (por exemplo, os medicamentos sintomáticos tradicionais).
Comprovação da elegibilidade do paciente aos critérios de inclusão dos estudos clínicos do medicamento (presença de placas amiloides, etc.).
Negativa Formal da Operadora: Conforme a RN nº 623/2024 da ANS, a operadora é obrigada a fornecer a negativa por escrito, em linguagem clara, detalhando o motivo específico (exija isso!). Este documento é a prova fundamental da recusa.
Comprovantes e Estudos Científicos: Cópia dos estudos clínicos que demonstram a eficácia do Donanemabe para o estágio da doença do paciente e a decisão da Anvisa sobre o registro.
2. A Estratégia da Ação Judicial com Pedido Liminar
O alto custo do medicamento e a natureza progressiva e degenerativa do Alzheimer conferem à situação um caráter de extrema urgência. A cada dia de espera, o paciente corre o risco de um declínio cognitivo irrecuperável, tornando a intervenção tardia menos eficaz.
É nesse contexto que a via judicial, com o pedido de Tutela de Urgência (Liminar), torna-se o instrumento mais eficaz e célere.
O que é a Liminar? É uma decisão judicial provisória e rápida que, reconhecendo a probabilidade do direito (fundamentada no relatório médico e na lei) e o perigo de dano (o risco de vida ou piora grave da saúde), obriga a operadora a custear o tratamento imediatamente, muitas vezes em questão de poucos dias.
Requisitos para a Liminar: O juiz analisa se o direito é verossímil (baseado no registro da Anvisa e na indicação médica) e se há o risco de dano irreparável sem a intervenção imediata do Kisunla (Donanemabe).
Decisões Favoráveis: O Judiciário brasileiro tem sido consistente em proteger o direito à saúde e à vida. A maioria esmagadora das decisões envolvendo medicamentos com registro na Anvisa, mas fora do Rol, tem sido favorável aos pacientes, reforçando que o contrato de plano de saúde deve priorizar a vida e o tratamento adequado.
O Contexto Global e a Importância da Inovação no Alzheimer
A luta pelo custeio do Kisunla (Donanemabe) não é um fenômeno isolado. Em países como os Estados Unidos e na Europa, medicamentos similares, que agem sobre a beta-amiloide (como o Aducanumabe e Lecanemabe), também enfrentaram debates regulatórios e de custeio.
A experiência internacional reforça que a judicialização é um caminho necessário quando as agências reguladoras (como a ANS) e as operadoras de saúde não acompanham a velocidade da inovação médica. A aprovação da Anvisa em abril de 2025 posiciona o Brasil na vanguarda do acesso a tratamentos modificadores da doença, e é responsabilidade das operadoras garantir que esse avanço chegue à ponta, ao paciente.
Um Olhar Humanizado: Não é Apenas um Custo, é Qualidade de Vida
É essencial humanizar esta discussão. O Alzheimer afeta a essência do ser humano: a memória, a capacidade de se comunicar e a autonomia. A possibilidade de retardar esse declínio em até 35% para o paciente e sua família não é apenas uma estatística; é um ganho de meses ou até anos de convívio com maior lucidez e qualidade de vida.
O alto custo do Kisunla (Donanemabe), por si só, é uma barreira econômica para a grande maioria da população. É por isso que a cobertura pelo plano de saúde — um serviço contratado exatamente para proteger contra riscos financeiros de doenças graves — se torna uma obrigação ética e legal inegável. O Plano de saúde deve custear o Kisunla (Donanemabe), pois essa cobertura é a concretização do direito fundamental à saúde, conforme previsto na Constituição Federal.
Conclusão: O Direito Inegociável ao Tratamento Mais Avançado
A chegada do Kisunla (Donanemabe) é um marco na luta contra o Alzheimer. Sua aprovação pela Anvisa valida a eficácia e a segurança de um tratamento que, pela primeira vez, visa alterar o curso da doença em sua fase inicial.
Diante das negativas administrativas, que frequentemente utilizam o Rol da ANS como escudo, é fundamental que pacientes e familiares compreendam que esse não é o fim da linha. A legislação brasileira, as decisões judiciais e, sobretudo, o direito à vida e à saúde se sobrepõem a cláusulas contratuais e listas limitativas.
Se você ou um familiar recebeu a indicação médica e a negativa do plano:
Não desista: Exija a negativa por escrito.
Busque suporte: Com um relatório médico irrefutável e a orientação jurídica especializada, o caminho para garantir o custeio do Kisunla (Donanemabe) via liminar é o mais eficiente.
A batalha pelo acesso ao tratamento adequado é uma batalha pela dignidade humana e pela esperança. O Plano de saúde deve custear o Kisunla (Donanemabe), e a Justiça é o instrumento para garantir que esse direito seja respeitado.
Aviso Legal
Este artigo possui caráter estritamente informativo e educacional, não constituindo, em hipótese alguma, aconselhamento médico ou jurídico. A decisão sobre qualquer tratamento, incluindo o uso de medicamentos, deve ser tomada exclusivamente em conjunto com um médico habilitado. Da mesma forma, qualquer ação judicial deve ser conduzida por um advogado especializado em Direito da Saúde. Consulte sempre profissionais qualificados para decisões sobre sua saúde ou sobre questões legais.
