Veja como a liminar para imunoterapia pelo Plano da Saúde poder ser decisiva em tratamentos oncológicos
A liminar é um pedido de urgência para situações em que a demora do processo pode causar dano grave ou irreparável. Em oncologia, cada ciclo perdido pode reduzir resposta terapêutica e prognóstico. Por isso, os tribunais costumam analisar com prioridade pedidos de fornecimento imediato da imunoterapia indicada pelo médico, impondo multa diária e prazo curto de cumprimento.
Na prática: decisões frequentes determinam que o plano forneça o medicamento em 24 a 72 horas, sob pena de multa e, se necessário, bloqueio das contas bancárias do Plano de Saúde para custear o tratamento quando a obrigação de fazer não é cumprida espontaneamente.
Situações típicas de negativa e como enfrentar cada uma
“Não está no rol da ANS.”
Resposta jurídica: Lei 14.454/2022 admite cobertura fora do rol quando houver evidência de eficácia, recomendação de órgão técnico e indicação médica. Junte estudos clínicos, diretrizes nacionais e internacionais e o relatório do oncologista.
“Uso off-label.”
Resposta jurídica: o uso fora da bula pode ser cientificamente aceito e recomendado por diretrizes. Anexe publicações indexadas, consenso de sociedades médicas e parecer técnico. O STJ admite cobertura quando presentes fundamentos científicos e necessidade comprovada.
“Tratamento experimental.”
Resposta jurídica: diferencie experimental de off-label. Experimental carece de evidência robusta. Se houver fase III publicada ou guideline reconhecida, demonstre que não é experimental.
“Rede credenciada não oferece.”
Resposta jurídica: nos termos do CDC, o plano deve garantir o procedimento. Na falta de rede apta, cabe cobertura em prestador fora da rede com pagamento direto ou reembolso integral.
“Carência” ou “doença preexistente”.
Resposta jurídica: urgência e emergência têm cobertura mínima legal, e a boa-fé objetiva impede negativa quando há risco imediato e indicação médica. Em oncologia, a urgência é frequentemente reconhecida.
Documentos essenciais para instruir o pedido de liminar
1) Relatório médico detalhado
Documento central. Deve vir assinado pelo oncologista, em papel timbrado e com CRM:
CID da doença, estadiamento e histórico do tratamento já realizado.
Justificativa clínica da imunoterapia escolhida: por que é indicada para aquele paciente, benefícios esperados, alternativas testadas e por que falharam ou são inadequadas.
Risco do atraso: explicar a janela terapêutica, a possibilidade de progressão tumoral e as consequências de perder ciclos.
Plano terapêutico completo: datas estimadas, locais de aplicação e necessidade de continuidade.
Erro comum: relatório genérico de duas linhas. O ideal é um texto de 1 a 2 páginas, direto, com dados objetivos.
2) Exames e laudos recentes
Mostram que a indicação é atual e necessária:
Imagem e laboratoriais que indiquem progressão ou critérios de elegibilidade (ex.: PD-L1, MSI-H, TMB, BRAF, etc., conforme o caso).
Laudos datados próximos ao ajuizamento para evidenciar urgência.
Dica: organize em ordem cronológica, com índice. Marque em amarelo os trechos relevantes.
3) Evidências científicas
Sustentação técnico-científica:
Ensaios clínicos fase II/III, metanálises e boletins com desfechos duros (OS, PFS) e segurança.
Indique referências (título, periódico, ano) e destaque os resultados aplicáveis ao caso concreto.
Prático: junte PDFs ou, se não for possível, ao menos o resumo com o DOI. Evite estudos preliminares sem robustez quando já existem fase III.
4) Comprovante da negativa do plano
Prova do ilícito contratual/consumidor:
Negativa por escrito, com protocolo, data, fundamento usado e nome do atendente.
Registros de atendimento (número de protocolo, e-mails).
NIP na ANS, se aberta: inclua o número e o teor da resposta.
Sem a negativa formal, a operadora costuma alegar que “não houve recusa”. Insista no envio por escrito.
5) Contrato, carteirinha e pagamentos
Mostram vínculo e adimplência:
Condições gerais do plano e aditivos.
Carteirinha do beneficiário.
Boletos e comprovantes de pagamento recentes.
Relevância jurídica: afasta alegações de inadimplência e permite identificar cláusulas abusivas.
Casos de sucesso
A seguir, dois relatos reais em formato didático, com dados anonimizados, mostrando como a liminar viabilizou a imunoterapia no tempo clínico necessário.
Caso 1. Câncer de pulmão com PD-L1 alto e negativa por “fora do rol”
Perfil do paciente
Homem, 62 anos, adenocarcinoma de pulmão não pequenas células. PD-L1 70 por cento. Indicação médica de pembrolizumabe em monoterapia como primeira linha.
Negativa do plano
Operadora alegou que a indicação estaria fora do rol da ANS e sugeriu quimioterapia convencional. Negativa formal por escrito, com protocolo.
Estratégia jurídica
Relatório médico robusto com CID, estadiamento IV e justificativa clínica.
Diretrizes ESMO e ASCO anexadas, recomendando imunoterapia em PD-L1 alto.
Evidências de fase III destacando ganho de sobrevida global.
Orçamento por ciclo apresentado para calibrar multa.
Pedidos: tutela de urgência em 48 horas, multa diária, cobertura fora da rede se necessário.
Fundamentos
Lei 14.454 de 2022 para rol taxativo mitigado, CDC art. 51 por abusividade, CPC art. 300 pela urgência, Súmula 102 TJSP.
Decisão
Liminar deferida em 5 horas. Prazo de 24 horas para início. Multa diária equivalente a 1 terço do custo do ciclo.
Resultado prático
Início da primeira infusão no 5º dia após o ajuizamento. Operadora autorizou em hospital credenciado sem coparticipação. Tratamento seguiu conforme prescrição.
Caso 2. Melanoma metastático com combinação e alegação de uso experimental
Perfil do paciente
Mulher, 48 anos, melanoma metastático. Indicação de nivolumabe + ipilimumabe por oncologista após progressão em esquema prévio.
Negativa do plano
Operadora afirmou que a combinação seria experimental e que haveria alternativa no rol com menor custo.
Estratégia jurídica
Relatório médico descrevendo falha terapêutica anterior, performance status e risco de atraso.
Exames recentes comprovando progressão.
Diretrizes SBOC e ESMO reconhecendo a combinação para o estágio da doença.
Ensaios fase III anexados, com destaque para aumento de sobrevida e controle de doença.
NIP na ANS registrada e juntada.
Pedido alternativo de reembolso integral em prestador fora da rede caso a rede não ofertasse a combinação.
Fundamentos
Lei 14.454 de 2022 com foco em eficácia comprovada, CDC art. 6 e 51, CPC art. 497 e 537 para obrigação de fazer e multa, distinção técnica entre off-label e experimental.
Decisão
Tutela antecipada deferida em 12 horas. Determinada a cobertura da combinação no prazo de 48 horas, com opção de execução fora da rede e reembolso integral se a rede não estivesse apta. Multa diária progressiva.
Resultado prático
A rede credenciada não tinha protocolo pronto. Foi autorizada a aplicação em centro oncológico não credenciado com reembolso integral. Primeira infusão realizada no 7º dia após a ação. Posteriormente, a operadora habilitou um credenciado e manteve a cobertura.
Conclusão
A liminar para imunoterapia é, muitas vezes, o único caminho para garantir que o tratamento oncológico aconteça no tempo certo. Quando o dossiê está bem instruído — relatório médico completo, diretrizes clínicas aplicáveis, evidências de fase II/III, negativa formal do plano e orçamento por ciclo — a probabilidade da concessão da liminar fica clara, neutralizando as negativas usuais das operadoras.